O vento batia forte em meu rosto. Mal podia respirar direito. Era madrugada de inverno, uma neblina baixa não me permitia enxergar o caminho. Minha bike brilhava no mundo destes meus sonhos. Trilhava sem rumo, apenas desejando absorver o máximo de sensações que pudesse colher.
A trilha era tortuosa na descida. Soltei os freios, soltei meu corpo e descia velozmente. Uma plenitude tamanha me acercava. Não havia ninguém no trajeto.
Não conseguia dormir à noite. Me mexia na cama de um lado para o outro e nada do sono vir. Levantei, tomei um copo de água e fiquei andando pela sala sem saber ao certo o que fazer. Me recusava a voltar para a cama e ficar novamente brigando com meus pensamentos. Mente super ativa, projetos idealizados e a calmaria da noite não combinava com o processo todo que sentia.
Peguei um livro, sabia iria me envolver no texto e quem sabe me acalmaria, não resolveu. Liguei o computador, conversar num chat noturno poderia ser a solução para minha insônia, só papos furados de boêmios e tarados da internet.
Liguei a televisão. Ficava mudando de canal o tempo todo, não conseguia firmar meu pensamento nem prestar atenção em nada. Foi quando me decidi sair e caminhar. Pensei a princípio de sair a pé. O condomínio todo dormia. Apenas ouvia-se um murmúrio breve de alguns grilos ao longe em festa noturna.
Sabia que ao ar livre meu coração se acalmaria, pois o contato com a natureza me faria muito bem. Caminhei então por algumas esquinas, mas o mal estar ainda se apossava de mim, sentia que uma adrenalina forte estremecia meu coração. Claro, porque não, andar de bicicleta!
Voltei para casa, eu estava ainda com meu pijama de malha fina. Prendi a calça nas meias, calcei meu tênis já velhinho, coitadinho... e sai.
Desci a rua e me pus a sair do condomínio. Queria espaço, amplitude. Já na avenida percebia que não havia movimento algum. A cidade dormia, menos eu. Tive até a impressão que seria a única acordada naquela madrugada.
Em poucos metros já conseguia perceber que era aquilo mesmo que desejava fazer. Finalmente conseguia acomodar meus pensamentos. Apagava da mente a ansiedade, os problemas mal resolvidos, as frustrações. Apenas me deixava envolver pela sensação de liberdade e dela fiz jus.
Andei por mais de duas horas, não me vinha o cansaço, apenas um confortável sentimento de exatidão. Um completo prazer de mente e corpo.
Minha bicicleta, meio que esquecida na garagem, junto de mim regozijou pelo prazer de juntas vivermos esta noite.
Ao chegar num patamar, no meio de vasta neblina, pude ver um movimento breve. Parecia que alguém corria por entre os arbustos, me assustei. Uma euforia tomou conta de mim novamente, mas não conseguia deixar de observar. Fui chegando perto, não conseguia distinguir a imagem tortuosa no meio da noite. Só mesmo quando cheguei bem perto foi que percebi que era uma outra mulher de bicicleta. Foi engraçado quando nos olhamos assustadas as duas. Ela também estava de pijama, só que o dela era de oncinha. Não tinha como não ficarmos indiferentes. Não era como encontros casuais no meio de uma tarde ou nos corredores de shoppings. Havia somente nós duas no meio do nada, ou quase tudo.
Ficamos nos olhando e sorrindo. Achando graça pelas vestes de ambas, mas nada dissemos. Seguimos adiante pedalando. Sua bicicleta era vermelha, aguçava minha curiosidade, percebia que era muito nova, linda, diferente da minha mirradinha... mas não importava. Houve uma comunhão de sentimentos e nos entendemos sem nada dizer.
Virei na próxima curva e acenei, mandando-lhe um beijo delicado de carinho do qual ela correspondeu.
Voltei para casa então, o sol parecia querer apontar no horizonte e percebia agora, que minhas pernas já cansadas precisavam de um merecido descanso.
Passou a euforia. Parecia ter chegado de uma danceteria, pulando feito louca a noite toda. Tudo o que queria era deitar-me e dormir o sono merecido, aquele que procurava antes sem encontrar.
Entrei em casa, tomei um banho com todo cuidado para não acordar ninguém, afinal não entenderiam nada e não estava disposta mesmo a ouvir o som de minha voz nem a de ninguém. Apenas o silêncio dos meus pensamentos agora é que me importava.
Assim que me deitei, de cabelos molhados e corpo exausto, me acomodei no travesseiro, cúmplice de minhas longas noites acordada. Fechei os olhos e no primeiro instante, quando sentia que adormecia lentamente, o despertador tocou. Era hora de acordar a família. Crianças teriam de ir para a escola, meu marido para o trabalho.
Me senti frustrada nesse momento, mas percebia que havia tido uma noite maravilhosa. Teria combustível novamente para mais um dia de batalha pela sobrevivência.
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