A Batalha

 O cenário era de guerra.  Filha do general do exército, Cassandra tinha todas as regalias de uma princesa, pois morava num castelo. Jovem e impetuosa, tinha os mais belos vestidos e suas joias enalteciam ainda mais sua pura beleza.

Faziam-lhe a corte os mais diferentes jovens do palácio, mas brincava com os sentimentos de todos, nunca os levava a sério. Aliciava cada um com seus encantos, no entanto, descartava todas as chances de maior envolvimento.

Seu pai oferecia-lhe os melhores criados, farta comida e cuidados exagerados. Prometendo-lhe proteção contra os absurdos da guerra. A mantinha protegida por centenas de soldados em guarda constante.

Apesar dos terrores da luta, no seu mundo não conhecia a miséria nem a dor. Cercada de empregados e mimos, passava os dias a ler e a passear pelos jardins de flores, junto de sua dama de companhia, que carregava um guarda sol para protegê-la. Tinha uma pele alva, macia e delicada, graças aos diários banhos de leite.

O coração de Cassandra não tinha dono, era um espírito livre e entusiasmado, mas existia um rapaz que era especial, chamava-se Marcelo. Cassandra sentia falta quando ele não aparecia, por ele estava atraída. A ele oferecia sua companhia no chá das tardes, quase que todos os dias ele chegava com flores e sempre cheio de charme, fazia-lhe a corte. Ele a divertia e ela gostava de sua companhia. Cassandra alimentava o seu desejo por tê-la e prometia-lhe maior afeição assim que terminasse a guerra. Prometia-lhe inclusive, aceitar seu pedido de casamento, podendo após isso então, jurar-lhe amor eterno, não antes.

Infelizmente Marcelo teve que entrar também em batalha, não tardou para que absolutamente todos os jovens fossem convocados. Anos se passaram depois da sua partida, e Cassandra se entristecia por não ter mais as visitas dele. Há muito tempo também não tinha notícias de seu pai, em combate de frente. Passava as noites acordada, não vinha o sono e o seu coração apertado machucava-lhe o peito. Vez em quando sua dama de companhia trazia-lhe um copo de água com açúcar, pensando em ajudá-la a dormir tranquila, mas ela se recusava a tomar, teimosa que era.

Numa manhã, no portão central do castelo avistou-se um mensageiro. Cassandra acompanhava seu percurso pela janela dos seus aposentos, até que ele chegasse à escadaria do palácio. Temia que um mensageiro apressado como aquele, não deveria trazer boas notícias. O rapaz vinha todo sujo e machucado, parecendo desabar do cavalo a qualquer momento.

A carta que trazia chega finalmente em suas mãos, era para ela. Cassandra treme e sente um calafrio passar por seu corpo e eis que a notícia lhe é transmitida... seu pai estava morto. 

A tristeza partira-lhe o coração, sabia agora poder contar apenas com os carinhos de Marcelo, que a amava tanto quanto seu pai, porém nada mais sabia dele. Queria poder chorar em seu ombro e poder desabar em seus braços, mas tinha de manter sua postura de alteza. Fechou as portas do seu quarto, colocando todos para fora. Precisava ficar sozinha e apenas quando conseguiu é que desabou em prantos. Seu pai era sua fortaleza, dele vinha o amor e a ternura. Sentia-se protegida, mesmo que ele não pudesse estar ao seu lado e agora estava só, apenas Marcelo a poderia entender.

Na mesma noite chega outro mensageiro. Cassandra está tão atormentada com a morte do pai, que não se dá conta da sua chegada, mas a dama de companhia lhe traz então uma segunda mensagem. Ela pega o papel como quem não tem interesse em ler, mas abre e fica olhando por um bom tempo... não entende direito o que está acontecendo, acredita que é uma mensagem repetida, que houve um engano e ambos mensageiros vieram trazer-lhe a mesma notícia, a da morte de seu pai. Abre o papel que está enrolado e preso por um pequeno cordão.

“ Minha querida Cassandra,

Pretendia que esta carta nunca precisasse chegar às suas delicadas mãos, mas achei conveniente que a escrevesse, pois quero que com minhas palavras, você possa se sentir uma mulher muito especial e amada. Meus dias clareiam assim que abro meus olhos e você me vem ao pensamento, sinto muito sua falta. Nunca desejei seguir nesta luta, seu pai muito menos, mas as circunstâncias nos fizeram vir até aqui e desta responsabilidade e pelo amor à nossa pátria, não pudemos abdicar. Lutei bravamente, sempre por nossa nobre causa. Seu pai tem feito o mesmo, embora não estejamos no mesmo pelotão. Nossa causa é justa, mas tememos todos os dias que não tenhamos mais forças para vencer, pois o inimigo nos ataca por diversas vezes de uma forma covarde e desmedida. Estamos enfraquecidos, muitos dos nossos homens já morreram e não sabemos ainda até quando iremos resistir.

Espero que seu pai possa mandar-lhe boas notícias, pois da minha parte não posso oferecer-lhe muito. Pedi para que o mensageiro de minha tropa entregasse esta carta, pois não sei, sinceramente, se um dia poderei voltar a vê-la novamente. Não tenho o desejo de assustá-la, mas sei que já o faço com estas duras palavras, me perdoe.

Sinto não poder estar ainda contigo. Sinto não poder finalizar esta batalha para que possamos o quanto antes nos unirmos em matrimônio, mas quero que saiba que as juras de amor eterno, estas sim, poderá levar contigo por tantas quantas forem as vidas que tiver. Sinto não poder beijar-lhe as mãos mais uma vez, mas seu coração será eternamente abraçado pelo calor do amor que carregarei junto de mim, para onde eu for.

Quando receber esta carta, não sei se ainda estarei aqui, mas queria que soubesse que jamais a esquecerei, porque você é e sempre será o grande amor da minha vida.

... teu Marcelo.” 

Cassandra pensava que tudo aquilo era um pesadelo horrível e desejava acordar, mas olhava em volta e via seus empregados de olhos arregalados, todos assustados. Percebia que nada mais restava a fazer. Não poderia mais contar com o amor e o carinho nem de seu pai nem de Marcelo, que nem sabia se ainda estava vivo.  Parecia não ter mais lágrimas. Seu coração estava seco, murcho como uma semente de ameixa exposta ao sol. 

Uma grande dor na alma a vestia desta vez. Permaneceu em luto o resto da vida, nunca se casou. Esmorecia ano a ano, envelhecendo tristemente a espera também de sua partida. E quando finalmente chegou o dia de seu adormecimento eterno, tinha 83 anos.

( fim da primeira parte... mas continua )

Alguns séculos se passaram e num novo cenário, onde não haviam mais castelos nem reis, uma jovem conhece o grande amor de sua vida ainda nos primeiros anos da juventude. Não tem conhecimento algum sobre história de antepassados ou até sobre reencarnação, sabe apenas que ele é o seu grande amor, sente algo tão forte que não pode explicar, apenas confia. 

Há entre eles uma conquista mútua e passam a dividir um amor ingênuo e sincero. Aprendem juntos, erram juntos, sempre conseguem ultrapassar as mais difíceis barreiras, porque parecem mesmo suas almas já estarem comprometidas. Ela ama muito esse jovem e não sabe explicar sobre o intenso sentimento, que é recíproco. Como poderiam se conhecer a tão pouco tempo e já estarem assim tão envolvidos?  Estavam vivendo numa era moderna, cheia de facilidades e descobertas, e o tempo foi passando, até que constituíram família.

Numa bela tarde, a jovem acompanhando sua amiga, chega à casa de um mago dos tempos modernos. Ele oferecia conhecimento de vidas passadas numa leitura de oráculo da numerologia. Era a amiga que tinha consulta marcada, mas não resistiu e pediu para ser atendida também. Então ele conta sobre sua história, diz que ela e o marido teriam vindo de um século de luta e conquista por terras e que não puderam ficar juntos porque ele havia morrido em batalha. O mago revela que ela havia prometido amor eterno à ele e que ele tinha regressado desta vez para cobrar tal promessa. Alarmada, um tanto assustada, ouvia o mago silenciosamente. Ele conta também que outro personagem daqueles tempos havia regressado nesta encarnação, o general seu pai, pois havia prometido proteger a filha, mas morrera antes. Diz que o general seria o filho mais jovem do casal, o filho que iria protegê-la mais que tudo, mesmo sem ter também tal conhecimento.

A jovem desta vez perguntou sobre seu outro filho, o primogênito. E sobre ele ouviu que não fazia parte da antiga história, mas que ele havia escolhido ingressar nesta família para aprender lições de humildade, que havia sido voluntário.

Mais à noite, ao contar para o marido sobre as revelações que à ela foram ditas, juntos se abraçaram e sorriram, como nunca haviam antes, tamanha era a intensidade da felicidade que os envolvia. Finalmente tinham entendido o tal sentimento intenso que os unia desde os primeiros dias.



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